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ASTREINTES: Entenda a multa diária e seus efeitos práticos

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“Astreinte” é o nome que se dá a uma multa processual que é imputada a uma das partes no processo. Tem a função de vencer a resistência do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, configurando, em verdade, um mecanismo de execução indireta, tendente a compelir o devedor a adimplir sua obrigação. Explicamos:

 

Existem algumas formas de satisfação de uma obrigação. O natural seria que o devedor, por iniciativa própria, efetivasse o direito do credor. Não é, entretanto, o que ocorre na praxe forense. É muito comum que, mesmo no curso de uma ação judicial, os devedores (em especial, mas não apenas, os grandes litigantes) deixem de cumprir as obrigações que lhes são impostas. Os casos práticos mais comuns referem-se a obrigações de fazer para a retirada do nome de um indivíduo dos cadastros de inadimplentes (SPC/SERASA) por parte de bancos ou operadoras telefônicas, ou para autorizar a realização de procedimentos médicos pelos planos de saúde.

 

Nesses casos, é comum que as grandes empresas deixem de cumprir a ordem judicial. Ciente disso, o Código de Processo Civil permite que o magistrado adote medidas para garantir a satisfação do direito. Trata-se, assim, de execução indireta, na qual o Estado-Juiz adota medidas cujo objetivo é coagir o devedor a cumprir sua obrigação. O caso mais comum é a imposição de MULTA. As ditas astreintes.

 

Assim, as astreintes funcionam como uma pressão psicológica no devedor que saberá que, se não cumprir a ordem judicial, terá que pagar um valor x por cada dia de descumprimento. Trata-se de mecanismo de extrema importância na praxe forense, ante à já citada recalcitrância costumeira das grandes empresas em cumprir as decisões judiciais. Por isso mesmo, existem diversas polêmicas que circundam o tema em questão.

 

Muitos litigantes habituais (grandes empresas que são as destinatárias mais comuns das astreintes) por vezes, mesmo com a imposição de multa diária, deixam de cumprir a determinação judicial. Deixam passar diversos dias in albis sem satisfazer a obrigação. A parte contrária, diante disso, costuma pleitear (e conseguir) a majoração da multa diária. Quando mesmo assim a parte não cumpre a obrigação, tem-se um número muito alto de dias de descumprimento o que, multiplicado pelo valor da multa, leva a um elevado valor global de astreintes.

 

O art. 537, §1º estabelece que “O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.”

Assim, percebe-se que o dispositivo supracitado prevê a redução apenas das astreintes vincendas, nunca das vencidas. Sob esse mesmo prisma interpretativo, preciso é o ensinamento de Eduardo Talamini:

“(...) não há base legal para o juiz, retroativamente, vir a eximir total ou parcialmente o réu de multa que incidiu de forma válida (...). A multa só é revisável ex tunc se tiver havido defeito em sua fixação. Afasta-se a simples remissão pelo juiz.”[1]

Daniel Amorim Assumpção Neves, por sua vez, assim leciona:

“Entendo que a previsão do dispositivo ora analisado seja dirigida ao próprio juiz que fixou originalmente o valor e a periodicidade da multa, com o que se afasta do caso concreto a preclusão judicial, indevidamente chamada de preclusão pro iudicato. Alguma segurança jurídica, entretanto, deve-se exigir, de forma que a modificação do valor e/ou da periodicidade deve ser justificada por circunstâncias supervenientes, sendo o reiterado descumprimento da obrigação robusto indicativo de que a multa não está cumprindo com a sua função. Os incisos do art. 537, §1º, do Novo CPC são nesse sentido de que mudança sem circunstâncias supervenientes que a justifique não deve ser admitida.”[2]

E é esse o entendimento jurisprudencial dominante, no sentido de que a revisão das astreintes somente se justificaria na hipótese de alteração na situação em que estas foram cominadas. Ora, o C. STJ já decidiu que, “se o único obstáculo ao cumprimento de determinação judicial para a qual havia incidência de multa diária foi o descaso do devedor, não é possível reduzi-la, pois as astreintes têm por objetivo, justamente, forçar o devedor renitente a cumprir sua obrigação.” [3]

Assim, a própria recalcitrância da parte que deveria adimplir faz com que surja uma nova e enorme dívida referente à multa processual. Nesses casos, depois de descumprir a determinação judicial por um tempo absurdo, vem a parte contrária requerer que o valor global das astreintes seja reduzido, alegando que se trata de valor muito elevado, irrazoável, que configuraria enriquecimento ilícito, etc. Ocorre que não se pode olvidar do fato de que foi justamente o descumprimento da parte que ensejou o elevado valor, de forma que minorar o valor global significa premiar o inadimplente.

 

Defendemos fortemente a impossibilidade de redução do valor global das astreintes, uma vez que são fixadas para coagir o devedor a adimplir sua obrigação. A interpretação teleológica dos enunciados legislativos supra é no sentido de que a “função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer.” [4]

 

Para que o valor global das astreintes tenha chegado a um montante tão elevado, é sinal de que a parte preferiu deixar transcorrer o tempo, o que indica que o valor arbitrado a título de astreintes não foi suficientemente elevado, a ponto de demovê-la da ideia de manter-se inerte perante o processo.

A lógica do raciocínio aqui exposto é evidente: se a parte não cumpre o preceito que lhe foi imposto pelo Judiciário, as astreintes se acumulam e avolumam o montante final; tal fato, contudo, se deve exclusivamente à recalcitrância do próprio devedor, não podendo o engrandecimento da multa ser usado por ele, em benefício próprio, sob pena de se criar uma situação em que, até certo ponto no tempo, seria vantajoso para o devedor cumprir a decisão (enquanto a multa estivesse crescendo) e, depois, seria melhor deixar de cumpri-la (enquanto a multa estivesse ainda crescendo, mas, alcançando patamares tidos como não razoáveis), forte na premissa de que, a posteriori, seu montante seria reduzido pelo Judiciário.

Pressionado com a imposição de multa diária, o devedor precisa cumprir a obrigação que lhe é imposta. Pode até utilizar os mecanismos juridicamente viáveis para questionar a referida multa, alegando algum vício em sua imposição ou fato que justifique o descumprimento. O que não se pode admitir é que o devedor fique inerte, ignorando um provimento jurisdicional e depois seja beneficiado com a redução do valor global das astreintes, que atingiu patamares elevados em razão do seu próprio comportamento.

 

[1] TALAMINI, Eduardo. “Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84)”. São Paulo: RT, 2ª edição, 2003, p. 248-254;

[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016. Pg. 952;

[3] STJ - REsp: 1.383.779-SC 2013/0145168-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/08/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/09/2014;

[4] STJ – Resp no 699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05;

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